~ Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
domingo, 28 de março de 2010
Miguel-Manso
SOBREROSEIRA
olho da janela a labareda das roseiras
recebo no quarto a vinícola sucessão dos anos
incluo no poema um reflexo aludir de taninos
remoo os frutos a redondez do texto no viço
dos aposentos
insisto no escusado, mal pago, fantasioso
exercício da beleza
(ando a perguntar-me... estará tão surpreendido com o elogio ao seu talento que tenta desperdiçá-lo?)
olho da janela a labareda das roseiras
recebo no quarto a vinícola sucessão dos anos
incluo no poema um reflexo aludir de taninos
remoo os frutos a redondez do texto no viço
dos aposentos
insisto no escusado, mal pago, fantasioso
exercício da beleza
(ando a perguntar-me... estará tão surpreendido com o elogio ao seu talento que tenta desperdiçá-lo?)
Miguel-Manso
II - ORLANDO PANTERA
I am a professional
e dançámos
lentos e digestivos
mas tentemos antes passar
o dia a limpo:
o Peugeot 205 vermelho embalado no auto-
-rádio a praia pequena a seguir ao Guincho
deserta
o teu peito nu mulato
contra as ondas o riso ladrado
da cadela entrando e não entrando
no mar
as rochas o mexilhão a navalha
o regresso aos poucos a tua casa
coentros água doce tachos
o lume
onde cozeste o pão
e que ateaste usando as páginas da lista telefónica
- queimando toda a rede fixa de Carcavelos -
o pássaro
morto na escrivaninha
o desenho a meio
lugares imaginários (nem deve sequer ter entrada)
limitava-me a marcar em algumas folhas
uns insuspeitos carimbos
que comprara
em lugar das académicas vaias
havia para nós, Joana, músicas
I am a professional
e dançámos
lentos e digestivos
mas tentemos antes passar
o dia a limpo:
o Peugeot 205 vermelho embalado no auto-
-rádio a praia pequena a seguir ao Guincho
deserta
o teu peito nu mulato
contra as ondas o riso ladrado
da cadela entrando e não entrando
no mar
as rochas o mexilhão a navalha
o regresso aos poucos a tua casa
coentros água doce tachos
o lume
onde cozeste o pão
e que ateaste usando as páginas da lista telefónica
- queimando toda a rede fixa de Carcavelos -
o pássaro
morto na escrivaninha
o desenho a meio
lugares imaginários (nem deve sequer ter entrada)
limitava-me a marcar em algumas folhas
uns insuspeitos carimbos
que comprara
em lugar das académicas vaias
havia para nós, Joana, músicas
terça-feira, 23 de março de 2010
Santo Agostinho ( de "Santo Súbito" de Miguel-Manso
"não estava ainda e amor, tão só enamorado pela ideia e que avidez eu tinha em amar o quê, em amar o amor"
e depois conheci-te...
e depois conheci-te...
segunda-feira, 15 de março de 2010
quinta-feira, 11 de março de 2010
Heilige Tod - Manuel de Freitas
Não é uma fotografia artística.
Se fosse, não falaria dela.
Estou ao lado do meu avô,
pareço feliz e ele também,
encostados a sorrir, debaixo
de uma buganvília. A alegria
dele é simples, muito de avô sentado
de chapéu de feltro antigo.
A minha, por sua vez, segura
na mão a caixa de soldados nazis
que matavam ou morriam,
obedecendo a uma inocente decisão.
Ainda existirão soldadinhos?
Agora, com a idade que
tenho na mesma fotografia,
pegam numa arma e matam
porque sim, dispensando intermediários,
simulacros, lúdicas simulações.
Terão talvez maior razão, não sei.
Têm, seguramente, uma eficácia maior:
matam em vez de quererem matar.
E é belo, sempre o soubemos,
este paiol de esterco chamado humanidade.
Ninguém, da fotografia, sobreviveu.
Se fosse, não falaria dela.
Estou ao lado do meu avô,
pareço feliz e ele também,
encostados a sorrir, debaixo
de uma buganvília. A alegria
dele é simples, muito de avô sentado
de chapéu de feltro antigo.
A minha, por sua vez, segura
na mão a caixa de soldados nazis
que matavam ou morriam,
obedecendo a uma inocente decisão.
Ainda existirão soldadinhos?
Agora, com a idade que
tenho na mesma fotografia,
pegam numa arma e matam
porque sim, dispensando intermediários,
simulacros, lúdicas simulações.
Terão talvez maior razão, não sei.
Têm, seguramente, uma eficácia maior:
matam em vez de quererem matar.
E é belo, sempre o soubemos,
este paiol de esterco chamado humanidade.
Ninguém, da fotografia, sobreviveu.
Assinar:
Postagens (Atom)