domingo, 24 de outubro de 2010

No vestígio de um encontro
que em nada resultou
Encontro a cumplicidade antiga.
E vejo também a ausência de uma atitude
que nos permita ser.

domingo, 17 de outubro de 2010

A lua e a ponte.
A ponte e a lua.
E dá-me um gosto imenso saltar de luz em luz,
pé ante pé nessa ponte que nos desenhou a vida
E é tua e é minha, a ponte
das nossas vidas.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

ausência total de palavras nestas paragens,
só uma tristeza infinita que não sei de onde surge.

Frases dispersas de Tonino Guerra - O mel

"O sol enfia-se pelo buraco
da agulha que Filomena tem na mão."

"A uma velha quase a chegar ao fim
pegou-se-lhe fogo à roupa e lá se foi tudo, roupa, tempo e feitio."

"Eu e meu irmão bebemos metade cada um
e comparámos a água do poço
com a do céu que é mais escorregadia
e contudo tem o sabor a relâmpagos."

"Primeiro procurava um prego,
a seguir um botão, depois queria beber café
e agora preciso que me digas alguma coisa,
nem que seja uma tolice."

"Este verão chegou essa juventude
de meia tigl que mete o nariz em tudo
e que está sempre em viagem, nas traseiras dos camiões
ou deitada por baraças, em busca de África."

"Estavam deitados em duas pequenas camas,
divididas apenas pr uma cadeira
de costas voltadas um para o outro,
mas as suas mãos permaneciam dadas."

Tonino Guerra - O Mel - Canto Décimo Segundo

Se chove parece que a água te lava os ossos,
se vem tempestade chega-te aos ombros
uma enxurrada de gafanhotos que saltam.
A névoa apaga até os pensamentos
e permanecem velas acesas
ardendo no cérebro.

Duas ou três noites atrás a neve cobriu
as estradas e os campos
e pela madrugada eu e meu irmão
avistámos grandes pegadas
de um estranho animal. Um urso?
Começavam nas primeiras casas da aldeia
e acabavam de repente no meio da praça
como se tivessem voado."

Tonino Guerra - O Mel - Canto

Tonino Guerra - O Mel - Canto Oitavo

"Este ano as folhas secas ficaram presas aos ramos
porque não sopra fio de vento
e as árvores parecem «fogueiras» em chamas.
Lá em baixo em Montebello, nos rasos do Marecchi,
existe um convento abandonado há cem anos
com um claustro entupido de nogueiras.

Eu e meu irmão passámos por um buraco
para caminhar debaixo das plantas que tinham
suspensa sobre os ramos um nuvem vermelha.
Quando soamos os sinos
o ar agitdo do repique abateu as folhas
e de súbito todas as árvores se despiram."
Adoro aquele momento de perfeição em Lisboa
no qual após o apressado abandono de sexta feira
permanece somente quem ama a Menina.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Dandy me, dandy you

Enrolou com destreza a mecha de cabelo à volta do dedo longilíneo e arstocrático, enquanto olhava com desprezo para a criança de roupinha perfeita que enterrava a cara já muito açucarada no algodão doce, jovial e alegremente.
Acendeu um fósforo e ficou feliz com essa imagem de destruição.
"They made a statue of US"

Regina Spektor




Havia 2 borboletas.
Entrelaçavam-se infinitamente no ar,
eram felizes
e eu não.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ruptura

Sempre achei que a leitura era uma forma de contactar com realidades que nunca poderei vivenciar. E depois comecei a escrever. E vi então, que o escritor não é alguém que tem muitas coisas para contar por causa da fantástica vida que tem. O escritor é só alguém um pouco mais sensível que olha para a imagem que toda a gente vê todos os dias e dá-lhe um significado diferente, fazendo despontar um sorriso (mental ou físico).
Mas não vale a pena ter uma visão diferente se ela não é partilhada. Verifico então que é o leitor (essa posição que sempre me pareceu tão solitária) quem dá razão ao escritor para continuar...
Boa tarde, pessoas!

domingo, 3 de outubro de 2010

Encostei-me ao parapeito
neste dia de chuva intensa
debrucei-me mais um pouco
e acendi o cigarro
Obriguei o meu olhar a descer à terra
e encontrei a Praça da Alegria
(curioso nome o deste local)
Havia a meio do jardim, um senhor sentado
numa chaise longue de veludo vermelho
a ler o jornal.
Ladeava-o um bêbado
(desses de boné na cabeça que fumam o cigarro
com a mesma sofreguidão com que desperdiçam a vida)
que constantemente lhe exigia a atenção
que diligente e arrogantemente lhe era negada
mais à esquerda circulava um casal de namorados
que se olhavam ou falavam
trôpegos, perdidos na energia do sentir,
sem paciência para a ridícula realidade que os circundava.
E no meio, uma menina princesa de vestido chocolate respira furiosamente porque nada vai ficar bem. Que cansaço tão profundo. A ausência de forças.
Fim da história. O cigarro acabou.