domingo, 18 de outubro de 2009

Eugénio de Andrade - Procuro-te

Procuro a ternura subita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiracao e’ doce,
um passaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a caricia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da agua entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou musica.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pao e a agua,
a cama e a mesa,
os pequenos e doceis animais,
onde tambem quero que chegue
o meu canto e a manha de maio.

Um passaro e um navio sao a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que ha diferencas,
mas nao quando se ama,
nao quando apertamos contra o peito
uma flor avida de orvalho.

Ter so dedos e dentes e’ muito triste:
dedos para amortalhar as criancas,
dentes para roer a solidao,
enquanto o verao pinta de azul o ceu
e o mar e’ devassado pelas estrelas.

Porem eu procuro-te.
Antes de a morte se aproximar, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com odio, ao sol, a chuva,
de noite, de dia, triste, alegre - procuro-te.

Nenhum comentário:

Postar um comentário